sexta-feira, 29 de outubro de 2010

COESÃO E COERÊNCIA



Dizemos que um texto é coerente quando percebemos a existência de uma amarração
planejada entre as partes que o compõem, amarração esta que estabelece uma interdependência semântica: relação entre o sentido de cada uma das partes e o sentido geral do texto. Em outras palavras, a coerência está diretamente ligada à compreensão do sentido geral de um texto, isto é, à possibilidade de interpretação daquilo que se diz, escreve, ouve etc., sendo o que nos possibilita identificar se há uma unidade de sentido no texto.
Um dos mecanismos responsáveis pela interdependência entre as partes de um texto, isto é, por sua unidade de sentido, é a coesão: a ligação que se estabelece entre suas partes. Contribuem para estabelecer estas relações e ligações os elementos de natureza gramatical (como os pronomes, conjunções, preposições, categorias verbais), de natureza lexical (sinônimos, antônimos, repetições) e mecanismos sintáticos (subordinação, coordenação, ordem dos vocábulos e orações).
A coerência e os mecanismos de coesão não funcionam sempre da mesma forma em todos os textos, pelo contrário, se manifestam distintamente nos diferentes gêneros textuais, condicionados pela situação de produção. Vejamos rapidamente alguns exemplos.
Nos gêneros que se agrupam na ordem do narrar, a coerência existe, sobretudo, em função da organização temporal, isto é, do modo como se marca o tempo dos acontecimentos narrados. Mas esta organização está sujeita às especificidades do gênero. Por exemplo, em um conto de assombração, os elementos coesivos acionados para garantir a unidade de sentido são distintos daqueles mobilizados para a construção de um conto de fada: a introdução da narrativa, a seleção dos fatos a serem narrados, o foco nos elementos de cenários e na caracterização de personagens (seus gestos, suas feições, seu modo de ser e agir) são elementos que precisam estar adequados à finalidade do texto, ao efeito de sentido que se quer promover.
Nos textos que se agrupam na ordem do argumentar, a coerência se constrói fundamentalmente pela ordenação lógica das idéias. Sabemos que há conectores específicos para expressar as diferentes articulações sintáticas - causa, finalidade, conclusão, condição etc – e que tais elementos devem ser usados adequadamente, de acordo com a relação que se quer exprimir ao desenvolver uma argumentação. Sabemos também que estes articuladores exigem a adequação dos tempos e modos verbais para funcionarem de maneira eficiente e possibilitar a coerência. Todos estes conhecimentos são fundamentais para o trabalho com a argumentação. Entretanto, saber isto não é suficiente para construir uma boa argumentação nos diferentes gêneros circunscritos neste grupo.
Convencer um conjunto de leitores de um artigo de opinião, por exemplo, é muito diferente do que convencer um interlocutor específico em uma carta reivindicatória. As estratégias argumentativas a serem mobilizadas para um e para outro caso se distinguem e precisam levar em conta elementos da situação de comunicação específica. Numa carta dirigida a um prefeito, por exemplo, argumentos que apelem para a sua condição de representante do povo e responsável pelo bem público podem e devem ser utilizados, mas é incoerente mobilizar este tipo de argumento quando o que se pretende é dialogar com um interlocutor que precisa ser convencido e chamado para o seu lugar de cidadão. Neste último caso, pode ser uma boa estratégia, trazer para o texto a voz de um cidadão que fala de igual para igual. Isto significa dizer que a coerência de um e de outro texto precisa ser definida não pelos argumentos em si, mas pelo seu funcionamento em cada situação comunicativa.

Nenhum comentário: