sexta-feira, 22 de outubro de 2010

CLARICE LISPECTOR

Clarice: uma biografia criativa e apaixonada.




“Me dá um carinho pela raça humana. Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca”. (Clarice Lispector)
Desta feita converso com você sobre um livro. Uma biografia de Clarice Lispector: Clarice, (Cosac Naify). Não sei se você estranhou o título. É assim mesmo. Lê-se “Clarice vírgula”. Foi lançado em 2009 nos EUA, com o título Why This World (Por que esse mundo? ) e em seguida aqui no Brasil. O título do livro em português remete à proverbial vírgula que abre Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres.
Curiosamente seu autor não é brasileiro. É Benjamim Moser, norte-americano, nascido em Houston, que vive na Holanda. É tradutor e crítico literário, formado em História; fala seis idiomas, entre eles o português. Moser conheceu a obra de Clarice por acaso: na década de 90, quando escolheu estudar português na universidade, após fracassar no chinês mandarim.
Por meio de algumas entrevistas publicadas com o autor, sabemos que quando leu um primeiro livro de Clarice - A hora da estrela - ficou completamente impactado: “O que me pegou - e o que me toca até hoje - é o desejo de saber mais, de ir além do que os olhos vêem. Isso não é para todos, nós não podemos passar muito tempo pensando em Deus e no que está além da realidade. Clarice pagou um preço alto por ser assim”.
Assim, desde o primeiro encontro, o autor entregou-se a Clarice e durante cinco anos dedicou-se ao trabalho de escrever sua biografia, motivado por intenções primordiais: criar intimidade com a literatura de Clarice e torná-la mais conhecida no mundo.
Ele mesmo diz que seu encontro com Clarice “foi paixão à primeira linha”. Diz mais: “as perguntas que ela faz são as que todo mundo tem, mas não tem coragem de formular; podem ser muito dolorosas”.
A ideia de escrever o livro surgiu porque ele acha uma injustiça as pessoas fora do Brasil não a conhecerem. Quis, então, remediar isso. A partir desse ousado intento descobriu o Brasil por inteiro, sobretudo a cultura da qual Clarice participou boa parte da vida.
Começou a devorar a obra da autora quando se inscreveu em um semestre de intercâmbio na PUC do Rio. No início, diz que detestava O Lustre e A Cidade Sitiada, pois não os entendia. Quando passou a compreender melhor, ficou fascinado pelo que a autora escrevia. Explica: “Não significa que sejam livros fáceis de ler, talvez até por isso haja a recompensa da compreensão. Quem foi que disse mesmo que, ao encontrar defeitos num grande artista, você tem que procurar primeiro os defeitos em si próprio? ”
Moser fez questão de viajar para “sentir” de perto as cidades onde a escritora viveu. Percorreu os lugares por onde os Lispector passaram, da agreste Podólia (região da Ucrânia) ao célebre apartamento no bairro do Leme, no Rio, onde ela passaria o resto da vida, do Recife da sua infância às cidades onde morou com o marido diplomata.
Entre tantos pequenos mistérios e estranhamentos, o resultado - para nosso inteiro prazer - leitor é mais uma biografia de Clarice. Desta feita, uma biografia criativa e apaixonada, sem dúvida. Como se Clarice tivesse aberto seu coração selvagem ao olhar obstinado e estrangeiro do seu autor, seduzido pela sua criação. Em contrapartida, renasce um sentimento universal de reconhecimento pela literatura de Clarice.

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